Maria
- Maíra Motta
- 2 de mai. de 2016
- 2 min de leitura
Tem gente que se perde no tempo e é como que se nunca mais visto entrasse num túnel numa ponte do rio que cai, outro espaço-esfera, onde vivem as pessoas que nunca envelhecem, como o meu primo de 4 anos e a Maria. A idade da Maria eu nunca soube, não se conta por calendário, mas sim pela estatura baixa, a cor negra, pele grossa, cabelos crespos onde a mão afundava em fios brancos-cinzas-pretos. A idade da Maria se conta muito pelos decibéis, pela frequência da voz da Maria que nunca haveria de parar de falar (agora mesmo, nesse outro espaço-esfera, ela fala com a gente, tá ouvindo? ou com a gente, ou com o gato, com com a tábua de passar, ou com o cãozinho que de tanto que ela gostava até falava mais baixinho, assim, no diminutivozinho).
A Maria entrou nas nossas vidas pelas roupas. Pelas ceroulas do vovô, pelas saias da vovó. Segurava o ferro quente e passava cestos e mais cestos como que se nada mais passasse. Como se o tempo não. Passasse. E, passando, Maria migrou para os vestidos de mamãe e as camisas de papai. Foi com essa idade que nos conhecemos as duas, dois ponteiros em sentido contrário, força empuxo, segunda lei de Newton: eu amassava p'rela desamassar e ela desamassando preu amassar outra vez. E assim a gente ia se "ando". E de ando em ando, um dia a gente virou ou. Um dia, não me lembro quando, a Maria não chegou. Não voltou. Cadê a Maria. Maria, cadê você que sempre morou tão longe e tão perto e que da vida nunca brotou um filho, nem um neto, nem paixão teve Maria? Nunca falou de amor, a Maria. Como pode, mamãe, a Maria não casou? Será que Maria é virgem? Por que importa tanto a vida sexual de Maria? Por que a gente se absurda sempre primeiro com as coisas do amor? Onde será que cabe tanto medo de ficar só? Só Maria sabia. Maria, rainha do gerúndio, passando a solidão com ferro quente, passando a vida no meio da gente, a saudade hoje passou por aqui.
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