O amor agora
- Isabella Monteiro
- 16 de mai. de 2016
- 3 min de leitura
Caro amigo,
Antes de qualquer divagação, é preciso frisar a importância da música de fundo necessária para que prossigas neste pequeno desabafo sobre o amor: “Alma de Violinos”, por Raphael Rabello e Dino 7 Cordas. Após alguns segundos, precisamente os 20 primeiros, poderás enfim começar a ler o que te escrevo de tão longe.
Estive pensando que, em algum momento de minha infância, quando minha mãe dizia que me amava e eu prontamente respondia “eu também”, passei a me perguntar o porquê de utilizarmos aquele mesmo verbo. Possuiria a mesma significação em cada boca? Com meus amigos e minha primeira namorada, a questão permaneceu. Poderíamos de fato amar-nos do mesmo modo? Idade, sexo, gostos, traços... por que utilizávamos a mesma palavra para designar a troca afetiva se, afinal, éramos dois – e tantos - tão diferentes? O que do humano nos tornava semelhantes? O amor? A palavra?
É evidente que poderíamos encontrar pontos em comum. Uma vez ela disse: “morreria por você”, lembras? E sim, talvez me sentisse da mesma forma. Uma vontade inexplicável de estar ao seu lado, sentir seu cheiro, olhar, tocar, ter filhos, e não faria sentido estar no mundo sem sua presença. Porém, anos depois nos separamos. E o amor? Permaneceu, eu diria, mas já não era um mártir. Transformou-se. Em quê? A palavra era a mesma, o sentimento, porém, outro. Um amor saudoso? Quantos adjetivos seriam necessários para classificar as transformações amorosas?
Após a primeira desilusão, descobri que poderia amar não apenas pessoas! Quão mais fácil isso me parecia! Amar um dia bonito, um céu azul, um vento fresco... coisas aparentemente menos complexas, que lá estariam e lá permaneceriam. Ah! Como seria feliz para sempre, meu amigo! Ficava horas a conversar com o mar. Tocava-o, mergulhava em suas ondas, flutuava e boiava, deixando-me levar com a maré. Seria todo aquele amor diferente do meu amor ao meu querido e velho pai; ou daquele ao meu caro professor do ensino secundário que me ensinou a ler todos os poemas apaixonantes; ou até mesmo daquele à Oxum, madrinha de Candomblé? Sim, sentia que sim. Porém, até que ponto era possível distingui-los ou assimilá-los?
Eis as questões que me afligiam - e que, em algum lugar, talvez me assombrem ainda. Não inventei a palavra e nem pretendo extingui-la. Eu vim ao mundo depois do amor. Eu vim ao mundo pela palavra. E quantas disparidades me foram convocadas! Quando pensei em escrever esta carta, era agonizante a necessidade de descrever cada reação, emoção e pensamento aos quais as múltiplas utilizações do “amor” me remetiam. Agora, resta a pergunta - e o que resta são sempre perguntas: o amor é Um, em constante metamorfose? Existiriam diferentes amores mutantes? Ou um apenas, com sucessivas ramificações predicativas e pequenas classificações adjetivais? Seja como for, sinto que um amor nos basta: aquele que nos abate e nos paralisa, aquele que nos tira a respiração e que nos faz experimentar a vida que nos escapa a cada suspiro. Podem ser vários, em diferentes momentos. No presente, aquele que me invade repetidamente, três minutos e oito segundos vezes o infinito, é aquele à essa bela música que me deu tanta vontade de te escrever. Aquele que me dá saudades. Aquele que me inspira.
A tal música não possui a palavra amor em seu nome, e tampouco uma letra. O som de dois violões pode provocar algo que eu chamaria de amor. Amor à música? Amor instrumental? Isso já não sei. Ouvi-la já é tanto. Pessoas passam pela memória: as que já se foram, as que que aqui estão e as que um dia virão. A natureza, claro, aqui ao lado: o pôr do sol está bonito como nunca. Até que ponto a música não faz dele ainda mais belo? Até que ponto não evoca mistérios prazerosos que posso arriscar chamar de amor? Há quem afirme ser o poder das notas e a harmonia sofisticada de dois mestres da música popular. Mas afinal, o amor faz o mestre ou o mestre faz o amor? A cada um desses pensamentos, as sensações se enlaçam e desenlaçam, de forma que amo tudo e a todos ao mesmo tempo. Deste modo, prefiro aproveitar esses meros três minutos e oito segundos para presenciar aquilo que gostaria que durasse para sempre... e não durará.
A vida é viver em instantes.
Com o amor que sinto agora,
De quem ama amar.



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