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tão frágil quanto

  • Maíra Motta
  • 16 de jun. de 2016
  • 2 min de leitura

a folha que no exato segundo se desprende da amendoeira e no zigue-zague do vento nunca despenca mas pousa na superfície do paralelepípedo nem um milímetro a mais nem um a menos de onde ficou- até que não se fique mais. até que o carro passe até que o passo apressado na Floriano Peixoto até que a bengala do idoso de Copacabana -tão frágil quanto a formiga que no azulejo azul e branco da cozinha carrega um despedaço da folha da amendoeira ventada pela bengala de Floriano Peixoto na orla de Copacabana em outubro de 1884- a tire da inércia. tão frágil quanto o tempo dos romances -que até Graciliano tem sua última página o tempo que começa antes do prefácio e continua até depois do fim limitado em areia e grão mas que nunca termina até que se quebre a ampulheta tão frágil quanto a prisão quanto o relógio cuco que não para que não para que não para que não para até que se pare um dia como o coração como a puta que pariu um negro um pobre um infeliz tão frágil quanto a dor do útero que se desfaz a dor do corpo contraído no chão tão frágil quanto o alívio da água corrente que de tão quente também seria dor se não aliviasse a dor maior ar-dor tão frágil quanto a palavra quando se desfaz e nem sempre fica menor ou melhor ou menos brega tal qual o amor quando hiato entre o sim e o não entre você e eu entre dois continentes quantos oceanos? a fronteira entre Minas e o Rio é uma ponte em Mauá tão frágil quanto o silêncio antes do espirro o grito antes do espasmo minha imagem diante do espelho no instante preciso em que o sol sumiu no horizonte e então se era dia agora não se é mais tal qual o amor tão frágil matemática quanto a fórmula de Bháskara menos b mais ou menos a raiz quadrada não importa a sequência de acasos que impedem o encontro entre duas pessoas que atravessam as ruas em sentido contrário e que não se encontram porque hão de se encontrar dali a três anos e cinquenta e dois minutos entre copos virados da madruga ou cafés da livraria ou não importa porque só dali a três anos e cinquenta e dois minutos o encontro há de ser um encontro tão frágil quanto a pele e a bala que na Guerra do Golfo no Alemão na Maré em Orlando rasga o tecido e rompe as células e mata a frágil matéria de que são feitos os homens de que são feitos os homens? tão frágeis quanto os sonhos e o peso do teu corpo sobre o meu tão fortes quanto as mulheres de que são feitos os homens?

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