quando alguém
- Fernanda Pougy
- 17 de jun. de 2016
- 2 min de leitura
Tenta entrar no sistema das pessoas da sala de jantar finalmente resolvendo pendências da vida mais ou menos e
Renova documentos na polícia federal se deparando com o passar do tempo enquadrado em uma foto três por quatro - nunca esteve tão bonita - e a angústia da transitoriedade sempre foi algo que começa no estômago. Quando é que as marcas do estilo de vida aparecem na foto?
Tenta seguir à risca as recomendações médicas e tratar de seu maquinário, embora todo dia entoe "gente não é dente" mentalmente e reflita sobre os desdobramentos dessa frase durante um tratamento ortodôntico. Quando alguém dá lugar para o significante e algo salta abocanhando seu pescoço ao notar que o fio de contenção serve para o dente ficar no lugar, mas se ele entorta você sente dor e o dente anda depois de mais de uma década.
Foi justamente quando alguém afrouxou outra contenção, ficando contente, mas tem gente que apenas entende as coisas pelo corpo e isso dá um trabalho danado. Bom, a pessoa bem que tentou, mas as coisas mudam porque o corpo está bem vivo, vivo pra cachorro, e dentista nenhum lhe dá socorro em seu caminho inevitável para a sorte de que as coisas mudam mesmo.
Até os dentes que estavam contidos pelo fio, até o medo de escova de dentes estrangeira e uma segunda toalha úmida pendurada no varal. Quando alguém pensa
Em vinte coisas sobre si para fazer uma lista ou nas coisas que tem medo para fazer uma lista ou no básico kit de sobrevivência para uma lista e se encanta com os resultados porque listas são coisas tão importantes que talvez fosse o caso de cada um fazer uma lista das listas mais urgentes que se deve fazer para pensar direitinho.
Se alguém tenta dizer a verdade em uma lista, admite que tem medo de sofrer para morrer ou, antes mesmo disso, sofrer para respirar. Mais um pouco de reflexão, tentando pensar em medos menos trágicos, e obtém o de se alienar ou de não produzir nada que dure mais que sua breve vida anunciada no auge pelo enquadramento das lentes da polícia federal que faz seu catálogo. Também tem medo de ter filhos, certamente. De se acomodar com a rotina. A lista vai ficando grande. Tem medo de cegar, encaretar e ter câncer. Alguém que pensa essa sequencia fatalmente acenderá um cigarro para relaxar. Teme a cada desamor, perder a capacidade de se reapaixonar. Mas esse é um medo bobo.
Alguém que está ocupado meditando coisas assim profundas ainda pode ser interrompido pela lembrança de que é preciso tirar o lixo, mas pode também ficar em dúvida se já fez isso logo antes de sentar ou se foi ontem e está misturando tudo.
É bem possível também que alguém possa misturar essas listas todas porque medos certamente estarão na lista de vinte coisas sobre si mesmo e algumas coisas que a gente teme são indispensáveis a ponto de metermos sem perceber em um kit básico de sobrevivência logo depois de pão com ovo, fones de ouvido, água quente e um bom boteco perto de casa, em algum lugar entre água mineral, interlocutores, papel e caneta e hidratante labial.
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