adoração
- Fernanda Pougy
- 11 de ago. de 2016
- 2 min de leitura
Nas horas de silêncio moram ao menos vinte coisas que eu te contaria, mas se não fosse assim, elas nem surgiriam na minha cabeça. Silêncio é espaço e passo, um depois do outro, sendo só. Perco muitas frases por acidente e lamento não ter registrado, afinal são de nota ou de luto e entre a larica e o caderno, elas fogem mesmo para muito longe. Oh, what an ordinary day. Sombra de avião altera a luz da casa e imagino quem vem lá. Certamente traz algum bebê chorando, incomodado com a pressão no ouvido. Acho maldade levar bebês em avião e nos lugares barulhentos e cheios, de um modo geral. Isso não pode ser bom para eles em sentido nenhum. Sentir o caos assim, tão sem defesas ainda. Como eu, talvez eles queiram o espaço que o silêncio traz, para aprenderem a pensar. Mas quem garante o que pensam os bebês, certo? Já estou arrumando carona e uma segunda via, já que é preciso ter cara para receber carinho e esse lençol ainda não te conhece. Mas a primeira via está perdida e não vai voltar, não sei se me foi arrancada ou se abri mão dela por vontade própria. Um dia como esse, em que as condições normais - porque variações SÃO normais - de temperatura, pressão e lei de Murphy rumam em direção a tudo que você não espera (o que pode ser bom, mas também pode ser ruim), te dá um bocado para pensar depois. Parece até o caso de se surpreender com um belo pôr-do-sol que surge onde só se via - e se esperava - um mar de concreto. Aí de repente se pensa que é profundamente necessário rever algumas premissas, o quanto antes. Sim, como acontece quando a sombra do avião; ou o consultório sem luz, nem luz de emergência; quando acaba o sinal do celular - e meu deus, como descubro o motivo do corte de luz, ou aviso a alguém? -; ou te assaltam usando a voz como arma principal. Voz é violência. Um contra dez, um que saiba usar a voz e as palavras letais. O que te assalta na escuridão? O amor acontece pelo olhar, olhar de perto, quase encostando cílios. Pele é pouco, há mais, ainda. Há males que vêm para o bem. Não via os olhos do estranho que me abordava no escuro. Amai-vos uns aos outros, ainda. Leve o que quiser, bata que eu não vou correr, ainda. No escuro, ainda. Voz e violência, ainda. Depois a casa na sombra do avião (alguém vem lá, quem sabe), guardada do caos e no silêncio só, ainda bem.
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