top of page

dia-não

  • Fernanda Pougy
  • 10 de set. de 2016
  • 3 min de leitura

Então não foi adiante nessa ideia, mesmo sabendo das consequências? Não se deixou levar pelo cartaz "sua beleza realçada naturalmente" da tal clínica? Pois bem, não precisava, mas uma vez feito, não adianta chorar. Agora descansa, Maria, que ninguém merece tanto trabalho para alcançar os benefícios da naturalidade! Gargalho mentalmente quando lembro de você dizendo que toda vez lê "recalcada naturalmente" na parede do consultório da esteticista. Acho um bom sinal. Quando foi que você ficou preocupada assim com essa pinta e sugestionável assim para sair de lá ainda com a pinta, mas com trocentas outras coisas que nem enxergava agora urgentes a serem tratadas? É impressionante, Maria, como somos diferentes! Deus do céu. Eu vinha te achando mais saudável da cabeça. Agora parece que nada em você funciona do pescoço pra cima.

E essa história de chorar em ônibus, Maria. Cê é besta? Tenta achar graça comigo, porque ás vezes é o que resta a fazer, dessa cena ridícula de uma moça toda enfaixada chorando. Vem aqui, deixa eu te dar um abraço virtual. Vai passar, prometo. Talvez quando tirar isso do caminho, o resto volte para o lugar. Agora toma mais um comprimido desse aí, hoje foi um dia difícil. Realmente, acho que você podia apelar menos para essas terapêuticas, mas pensemos nisso amanhã. Quando sua analista volta de férias? Até lá, por favor, pare de procurar homeopatas, curandeiros e problemas onde não tem, ok? Hoje que já está mergulhada em tais promessas de bem estar, custa nada afundar mais um pouquinho e, quem sabe?, até conseguir dormir seis horas seguidas. É jogo. Mas depois tome tenência. Afinal, foi você quem me convenceu de que não adianta tampar o sol com a peneira. Que a gente envelhece mesmo e é melhor que trabalhe em ver o sentido particular que isso tem do que comprar o sentido da indústria farmacêutica. Não achei que eu precisaria te dar essa lição de volta, um dia nessa vida.

Me impressiona, Maria, como a distância não afasta a gente. Recebi sua mensagem sobre o fim da anestesia quando estava esperando o ônibus no Leblon, na chuva. Preferi escrever de volta mais tarde, em vez de responder por áudio, já explico por que. Estava a mais de meia hora esperando e finalmente veio, mas passou por mim direto – em velocidade, ainda jogando uma aguinha de poça. Aí começou o conflito interno sobre mudar de estratégia ou esperar o próximo. Cheguei a olhar o preço do Uber, mas obviamente estava altíssimo. Lady Murphy já havia avisado a todos os meios de transporte que hoje era um “dia não” para a minha pessoa. Ultimamente percebi que detesto o Leblon, Maria. Ainda bem que quase não preciso ir lá. Nada presta naquele lugar, da areia para dentro. Mas voltando para a história... Praticamente parei o ônibus seguinte no muque. Fui para o meio da rua com meu guarda-chuva e fiz ele parar. O motorista, muito contrariado em ter que parar ali, me explicou que estava chegando no ponto final. Mas eu não podia perder mais uma vez, fiz que sabia e que queria mesmo ir para o ponto final, pegar o próximo. E fui, em parte.

Foram quarenta minutos para dar a volta no quarteirão e estacionar no engarrafamento da Visconde de Albuquerque, Maria. Que humilhação. Desci do ônibus e voltei para a Ataulfo, para pegar na outra direção. Perdi tanto tempo e senti tanta raiva! Você sabe que eu fico exausta quando sinto raiva. Aí advinha o que aconteceu? O primeiro ônibus que chamei lá também passou direto. Chorei no ponto de ônibus. Chorei igualzinho você faz por aí. Uma moça até ofereceu ajuda, pois eu não sei chorar direito e não estava sendo muito discreta. Quando começa, como faz para parar?

É impressionante, Maria, como somos parecidas.

ความคิดเห็น


bottom of page