O passageiro
- Fernanda Pougy
- 6 de nov. de 2016
- 1 min de leitura
Uns caducam e, alegria à parte, simplesmente não operam na lógica comum do mundo. Possuem dificuldades laboriosas com relação aos gestos universais, necessidades básicas e desejo sexual. Sentem extremamente o peso das palavras. Gritam, tapam os ouvidos. De formas atípicas, dão notícias de seu sofrimento, que a noite não encerra. Ao despertarmos, nunca estaremos dispensados de morrer: a história de alguém encerra sua resposta a isto. Eu-ex-isto.
Ele, em meio ao caos, achou a paz realizando o maior feito da humanidade. Vislumbrou a saída e executou o plano. Contava aos espectadores que tivessem alma de escutar, aos berros, em um ônibus turbulento. Poucos concederam atenção a seu discurso. Deveriam estar ainda desnorteados pelo grande evento da noite anterior, pensava ele. Acontecimento este cuja responsabilidade tomava para si, agora publicamente, sem temor algum. Sabia e contava aos passageiros: o mundo nunca mais será o mesmo. Ninguém sairá ileso. Tudo que existe na superfície da terra sofrerá as consequências daquilo que ele fez. Sua obra o tornava tão grande quanto Deus.
Repetia tudo isso, aos poucos que permaneciam atentos na lotação. Sentia-se melhor ao compartilhar seu lado da história. Finalmente, para o caso de ainda haver naquele ônibus alguém que não soubesse do que se tratava, respirou fundo e o disse com todas as letras: é isso mesmo, fui eu quem dinamitou a lua.
Comments