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das fissuras e dos três pontos desenhados na mão

  • Ailén Scandurra
  • 13 de jul. de 2017
  • 4 min de leitura

https://soundcloud.com/ailenscandurra/das-fissuras-e-dos-tres-pontos-desenhados-na-mao

​te devia mais palavras

vibram no ar

na minha cabeça

arrebatam meus sonhos

se apropiam

os ultimos dias tem sido para renegar os pensamentos sobre voce

renegar por que o silencio gerado há dois meses deixa o espaco vazio de dizeres

que mais dizeres

já dissemos tanto

já nos deixamos abandonar tanto

hoje de novo escrevo cartas daquelas que ficam anônimas

sem nomes sem dia sem ano sequer

se perde aqui entre paredes e eco

se perdem os nomes seu e meu

se afogam

há água aqui também

mas é água que nao toca a pele

é água só de olhar e cheirar o gosto ruim de deixar

o choro ruim do deixar

silenciado

nao sei mais quais sao os fonemas que se utilizam para esta historia

já faz mais de ano que nao te vejo

já faz mais de tudo que nao te ouço

a gente faz mais de tempo ruim choro sufoco que nao se enxerga

tinhamos um mar de vidas entrecruzadas entre nós

e as coisas que aparecem

pessoas

lugares

lamúrias

ainda eram mais fortes

já faz mais de ano que deitadxs naquele chao de aeroporto

naquela mochila mal feita

naquelas oito mãos entrelaçadas

a tua e a minha diziam que logo nos veríamos

acho que eu sabia

lá dentro , aquela pequena criança sabia que não havia retorno

que avião de madrugada custa em voltar

atravessar fronteiras é demora certa

fuga repentina é demora certa

eu sabia por que corpo é memoria

e lá nos 11 anos de vida este corpo teve de partir

assim

de repente

de madrugada

sem piscar nem sentir

sem permissão pra dizer adeus

aquela criança fechou os olhos e cruzou a fronteira

e voltou a fechá-los naquele aeroporto contigo

um ano atrás

um pouco mais

choravamos e voce me consolava

a água que batia na perna dizia tudo

era sal e água

era tu e eu jorge e livia

éramos muitxs de nós cruzando espadas

que nao víamos

por que de olhos fechados tudo amolece

é mais fácil

nao te escrevo

nao boto teu nome por que sinto que perdi o direito

nao te encaminho esta pena

por que ela me pertence

e já nao há retorno

ela é minha

cheia de suas escolhas de dedos inchados

unhas carcomidas

sujeira encarnada

te escrevo esta carta em fevereiro

há pouco passou-se o dia do nosso último aperto em cidade de maresia

eu o neguei

eu tentei ao menos evitar sua existencia

seu aniversario de festinha ruim

seu renascer que agora dita os ciclos

fevereiro significa um ano e pouco

o pai que deixou de respirar em seu propio ninho

dito e feito

nesta casa

nestas paredes que tanto digo

altas coloridas

marcas de quadros retirados após anos de permanencia

sonhei com ela

uma festa nela

há tres anos

eu ainda nem fazia ideia de ti

no sonho a morte vinha me falar

dizia suas sílabas derretidas

"você vai morrer"

e eu negava buscando refugio em todos os cômodos cantos gavetas

correndo pela casa de historia ruim

ela era paciente

a morte poderia esperar o tempo que fosse até que eu a entendesse

e foi assim

entendi

e seus olhos profundos de tinta acrílica

fixados nos meus chorosos buracos de mundo

me consolaram

meu corpo entrou neles e flutuando

um desmaio de mim

um resquício de pele

transformou-se

virei algo que ainda nao sei dar nome

morte regenerou

vírgula em mim

aceitei morrer

agora o sentido é outro

parece que acordei daquele sonho

to morando aqui

nessa casa da festa da morte dos olhos acrílicos

acordei mas continuo sonhando

que nem quando se percebe esse estado de meio-sonho poder mágico de controlar as decisões

faz tanto tempo já

que tu nem sabe mais do meu paradeiro

nem que mesmo estando fora do país como tapioca

e ontem café

e ontem foi tu preparando a xícara

e tu olhando em mim

bicho d'água

chovendo todo céu de raiva

chovendo todo céu de mágoa

tu tem mágoa

eu sei e já nao te peço para esquece-la

tu tem mágoa e é sobrevivência

que nem eu

que sim, escolho desprender dela.

já faz mais de ano e tu cortou cabelo

já faz mais de ano e eu ainda nao voltei pro mar

nunca acreditei naquele amor inventado

fantasiado por seres que nao existem

foi aí que a fragilidade se criou

a gente não quis ver

a gente tapou os olhos e fez bem

o jeito de tá junto do jeito que for com o que éramos naquele momento

monstros bichos doidos arrebatando-nos

só sabiamos existir daquela forma

era extremo tudo ou vazio

era entrega cada umx com seus segredos

era o meu máximo esgotamento

era tudo de mais sincero e eterno que podia ser

eu juro pra ti

a transparencia das coisas em mim era aquela

turbulenta e imprecisa

sacudida esquisita despretensiosa ou talvez pretensiosa demais para ti

pretendia uma liberdade que nem sei mais como se chama

buscava te consolar com frases entrecortadas

mas nunca menti

nunca prometi

talvez omiti pelo medo do desencontro do descarrego

tentei segurar entre os dedos

mas que bobagem insistencia tola essa a minha

se for assim, vento forte leva

cá estou, veja

mais de ano mundos e vidas

quem eres?

em que cidade você mora?

qual o comprimento dos teus fios?

são céus de todo lugar

são cores tantas que nem sei se é belo

a contaminação na atmosfera é alaranjada

o céu pega fogo nesta cidade

faz calor e não tem mar

uma gata invadiu o terraço e me escolheu

ela divide os silencios comigo

e corre e brinca pela casa resiginificando estes cômodos

cantos e gavetas

já nao fujo da morte

já entendi que morri mais de dezenas de vezes

e acordar debaixo deste teto é uma prova de que os ciclos iniciam e fecham sozinhos

a gente não dita tanto ou quase nada

a gente só cavalga junto intuição é sabedoria

to errando sempre

e que companheira boa é a errância

aprendi com aquela criança de onze anos e olhos fechados

continuo fechando para continuar abrindo estas portas

as historias vão se redesenhando

pensei nesta carta pra ti mas morro de pensar em tu lendo

pensei em não te mandar

e assim será de certo

até o dia em que aquele mesmo vento forte

atravesse fronteiras novamente

e materialize-te destes quilometros a nova pessoa que sou hoje

olar , esta sou eu.

até virar mistério

olar

as nuvens ainda navegam pela tua janela?

se lembra das fissuras

dos três pontinhos desenhados na mão.

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