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Carta aberta aos meus amigos e familiares eleitores de Bolsonaro

  • Luciana
  • 23 de set. de 2018
  • 3 min de leitura

Venho por meio desta, não tentar convencer você eleitor indeciso, ou até os decididos pelo candidato 17, a votar em X ou Y, e sim, explicar para meus entes queridos o motivo de eu não conseguir estar mais próxima de vocês neste momento. Posso afirmar que ambos passamos pelo mesmo período de infância onde se dá os primeiros amores platônicos e as primeiras descobertas , não necessariamente com a mesma idade. No meu caso, para meus amigos foi a partir dos sete, oito anos.

Com 7 anos, lembro de me encantar por uma professora, sem saber o que realmente aquilo significava ou o que admirava nela. Porém, não tive dificuldades em diagnosticar paixonites de colegas minhas por professores homens.

Com 9 anos, fui a um show de um irmão mais velho de uma amiga, onde vi na platéia uma menina mais velha que rodopiava as saias de seu vestido vermelho e lembro - por relatos escritos em diário - de pensar: "se fosse homem, eu queria casar com essa menina". Se eu fosse homem.

Na 5a série, começaram a me apontar dedos no colégio - hoje seria "bullying" mesmo - por viver muito grudada em uma amiga, amizade que já se estendia por 5 anos (um período considerável para alguém de 11 anos). Após alguns episódios desse tipo, criei um motivo para uma briga e nunca voltei a falar com essa melhor amiga.

A partir da sexta série, ingressei no cursinho de inglês e conheci uma menina que me dava- novamente relatos do diário - "vontade de voltar de mãos dadas todo dia" e ainda sim, não identificava por onde esses sentimentos passavam. Uma série de quadros como esses continuaram até o fim da faculdade. Mesmo frequentando um colégio de van guarda e faculdade pública, onde todos pareciam "mais abertos", a descoberta não veio, apenas permanecia um sentimento de que algo estava fora de lugar, e passei os anos sem descobertas, sem romances, e sem auto-estima.

Uma sensação constante de que qualquer passo fora da linha, alguém iria perceber algo, fez com que eu quisesse estar sempre fora do radar, apagada. Tempos de amizades mal interpretadas, confusos e sofridos. Não por menos, tive um quadro depressivo aos 14 anos.

O período em que algumas coisas começaram a se ver possíveis para mim já com 20 e poucos anos, não foi menos difícil.

Já ouvi xingamentos na rua.

Já senti medo em festas.

Já fui só "uma fase".

Já fui expulsa de restaurante.

Já perdi amores para o medo.

Quando saio de um encontro em que a menina do outro lado da mesa não quer ser vista em público em pleno 2018, vejo a caminhada longa que dei para chegar no lugar empoderado em que me encontro atualmente.

Sendo a raiva um dos estágios desse processo, hoje, sofro e considero-me agredida ao continuar mantendo relações com quem possa trazer o desmoronamento das minhas conquistas. Pensar em dar o voto para este candidato, seja digitando 17 na urna, seja anulando, é ser conivente e apoiar seu discurso. Quando vocês me pedem para respeitar suas opiniões acerca da escolha que estão fazendo, entendo que estão conscientes de que colocar alguém com esse tipo de discurso em lugares estratégicos para a nação é dar aval para que outros possam discursar da mesma forma. É validar e reverberar manifestações de preconceito. É fazer outros sofrerem a infância que sofri.

Talvez vocês não conhecessem a caminhada que dei e sigo dando, para conseguir existir, mas acredito que a essa altura, eu poderia esperar, após seus repetidos mantras de amor e carinho, que vocês estivessem ao meu lado, e sofressem junto comigo quando alguém colocasse em cheque a liberdade que alcancei. O discurso é mais sutil do que achar que um candidato possa criar campos de concentração para a comunidade LGBT caso seja eleito presidente, senador, governador... Essa sutileza está no meu dia a dia, rodeado de héteros.

Vocês sempre me perguntam se São Paulo, onde vivi por 2 anos, é melhor que o Rio de Janeiro, e ficam aguardando a resposta óbvia que não. Mas a verdade é que foi lá que fiz meus primeiros amigos gays, depois de 27 anos de idade, foi lá que senti conforto ao caminhar na rua, esperar o ônibus, ir ao teatro, frequentar restaurantes. É notória a diferença que faz políticas sociais inclusivas, e esta minha etapa atual de volta ao Rio de Janeiro só corrobora isso.

Quando o incomum se torna comum, ele passa a ser normal aos olhos de todos, e o medo diminui.

Cortar laços talvez soe como extremismo ou esperneio, para você que não esperava essa conduta. Ou talvez pareça uma ameaça para obrigar a uma mudança de voto. O que você não consegue reparar é como me é dolorido manter você perto, sabendo dos pensamentos que você está ajudando a alimentar. Não me peça argumentos, informações ou convencimento sobre um assunto que eu esperava que estivéssemos lutando juntos.

Eu que te peço empatia.

Eu não quero viver com medo.

Carinhosamente,

sua,

Luciana

23/09/2018

 
 
 

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